
No quarto, na única divisão da minha casa, a luz entra turva pela janela. A pouca luz invade a janela e fica presa nela, tímida, com medo de entrar, temendo ser notada. É essa luz que tinge o meu lençol branco ruço de cinzento, preenche as paredes estreitas de um cinzento incaracterístico, mortiço. A madeira agora cinzenta, o tapete cinzento com cabelos grisalhos, a minha mochila cinzenta. O quarto desbotado, quase apagado, num estado letárgico que dá pena.
Mas, ao mesmo tempo, todo este cinzento a parecer uma punição, todo o cinzento a castigar-me, a falar demasiado alto, a abafar a música que não consigo ouvir, a prender-me os movimentos. O cinzento a tornar as paredes mais densas, o tecto mais pesado; a transformar a casa num objecto em colapso, numa armadilha prestes a esmagar-me.
A luz que deixa de ser tímida, para ser ameaçadora. Como se lá fora um tempo perfeito, compassado, as folhas amarelecidas das árvores num chocalhar harmonioso, as pessoas lentas a caminharem com os olhos luminosos, como se os pássaros que as sobrevoam aterrassem nas suas órbitas para descansarem da fadiga da sua liberdade. E, então, essa luz que, ao tocar o vidro deste quarto, se torna impiedosa, má. O vidro do quarto envenena a energia contagiante da rua, como se fosse um filtro que rouba as borras da felicidade e me oferece estes restos moribundos.
É, então, que este quarto me diz
- não sou teu, não sou o teu abrigo.
As minhas poucas roupas espalhadas no espaço que resta, as meias estendidas no tapete, os fios num emaranhado volumoso, a pilha de livros debaixo da mesa sem uma arrumação mais confortável, as pulseiras, os metais em sacos de plástico numa disposição embaraçosa e pouco digna. Os objectos amontoam-se sem conteúdo, sem mim, quando
- não sou teu, não sou o teu abrigo.
E eu ainda adormecida, hipnotizada por
- não pertences aqui, aqui não é o teu mundo.
1 comentário:
Já tinha saudades de "te ler" amiga...:,)
*Miss you*
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